Paulo Azevedo foi um dos keynote speakers da primeira edição do Global Talent Day, com a sua palestra sobre superação.
Foi no teatro que, com seis anos, Paulo Azevedo se estreou como ator. Participou em novelas da RTP e da SIC e viu a sua história contada nas páginas do livro Uma Vida Normal, escrito pela jornalista Sofia Arêde. Hoje, partilha-a com todos os que ouvem as suas palestras que, por Paulo Azevedo ter nascido sem mãos e sem pernas, não ter ficado refém dessa característica, como a classifica, e ter procurado a sua sorte, são sobre superação. Não escolheu ser orador, depois de já ter sido atleta paralímpico de natação, de se ter especializado em motivação de plantel no Real Madrid, sob orientação de José Mourinho, e de ter apresentado, em 2017, o programa Consigo da RTP2. Confessa ter encontrado, finalmente, o seu caminho profissional e, como afirmou, em entrevista, ao InfoRH, não se vê a fazer outra coisa que não sejam as palestras da superação. Agora a atuar em palcos diferentes, Paulo Azevedo construiu um guião, que nada tem de ficção e que, em analogia com a sua história e com o quotidiano organizacional, adapta às empresas que o procuram.
Depois de todas as atividades profissionais a que já se dedicou, como é que surgiram as palestras da superação?
Começaram de uma forma muito espontânea. Não fui eu que escolhi fazer isto, por isso é que digo que não somos nós que escolhemos o sonho. É o sonho que, por vezes, nos escolhe, quando nos apercebemos que estamos a fazer o que amamos. Isto começou quando a Porto Editora lançou um livro autobiográfico Uma Vida Normal, escrito pela jornalista da SIC, Sofia Arêde. Nas apresentações, comecei a perceber que aquilo que estava a fazer era a contar a minha história. Era a minha história que estava no livro e o feedback que recebia era muito positivo. As pessoas diziam-me que era uma história de superação, de conquistas e também de derrotas, e que seria giro partilhá-la de uma forma mais séria. Começou a partir daí. Elaborei um “guião”, que é real e que adapto às diferentes empresas que me contratam. Cada empresa tem os seus pontos fortes e os seus pontos fracos e eu, através da minha história de heróis, a história de quem me formou e a minha própria história, consigo adequá-la a nível profissional.
E como é que adapta o guião que construiu e que está por detrás das suas palestras ao contexto empresarial?
Há empresas que, quando me contactam, me perguntam se consigo incluir na minha história o espírito de equipa, ou o acreditarmos em nos, porque é muito importante para os colaboradores. Pedem-me para adequar a minha história, por exemplo, às dificuldades das imobiliárias. Pedem-me muito, também, para focar o não desistir. Independentemente de falharmos, não desistirmos. Tento adequar a minha história a cada tema. Pergunto sempre quais são as maiores dificuldades e tento adequar, fazendo o paradigma entre a minha história e a realidade. A minha história é uma história de heróis, porque sozinho não chegava a lado nenhum. Tive o apoio da minha família e dos meus amigos. Considero-os a minha equipa de trabalho. Sozinho não teria chegado aqui ou demorava mais tempo. Faço sempre a comparação entre o que parecia ser algo condenado ao fracasso e o facto de ter conseguido dar a volta, por acreditar. Adequo muitos dos episódios da minha vida aos episódios reais que cada empresa enfrenta no dia-a-dia.
A utilização de determinados episódios da sua vida às empresas é possível, também, graças às experiências que foi vivendo em diversas áreas?
Fui chefe de tráfego de uma empresa de transportes, trabalhei em imobiliárias e no mercado de vendas. O ponto mais forte das palestras são as pessoas, porque são elas que fazem as empresas, ainda. É muito bonito falarmos em acreditar para vender, em termos sucesso e darmo-nos todos bem, mas somos nós que temos de acreditar. Se desistirmos à primeira vez que falhamos, por muito bom patrão que tenhamos, por muito boas que sejam as equipas que trabalham ao nosso lado, não conseguimos evoluir, porque desistimos de nós e daquilo em que acreditamos. O meu objetivo é fazer com que cada pessoa da plateia acredite mais nela, no seu valor e se aceite tal como é.
Foi o que procurou fazer consigo?
É a realidade. Não é cliché de palestra. Passamos a vida toda a tentar que os outros gostem de nós e a tentarmos arranjar desculpas quando falhamos. O primeiro passo é aceitarmo-nos como somos e percebermos que o nosso pior inimigo somos nós. Se o fizermos, seremos mais felizes profissional e pessoalmente. Quando não conseguimos e temos dificuldades, dizemos, muita vezes, que a culpa é do nosso colega de trabalho, ou do patrão que não paga a horas, ou do trabalho que é muito difícil de fazer. As barreiras são construídas na nossa cabeça, logo de manhã, antes de sairmos de casa. O ponto principal é acreditarmos no nosso valor. Sermos honestos e percebermos aquilo que conseguimos, ou não, fazer e procurarmos aquilo que nos preenche.
Agora, está a fazer aquilo que efetivamente o preenche?
Totalmente. Claro que tenho sempre a paixão da representação e tenho sempre papéis em teatro. Só em televisão é que não tenho tido, por isso, continuo a ser ator, porque as minhas bases começaram com seis anos no teatro. O facto de ser ator também me ajuda, nesta área, que lida com o público e que exige alguns conhecimentos de voz e de discurso. Não disse “agora quero ser orador”. Comecei a fazer isto e comecei a apaixonar-me. Quando nos dizem que nasceram com uma determinada paixão não é verdade. Não nascemos com paixões, apaixonamo-nos ao longo da vida e, às vezes, por vários desafios. Neste caso, fui-me apaixonando gradualmente por este desafio. Não foi uma paixão à primeira vista, mas agora não me vejo a fazer outra coisa que não sejam estas palestras da superação.
E que feedback tem recebido acerca das palestras que tem realizado?
O meu caminho desviou-se para as empresas por acaso. Não porque tivesse escolhido, mas porque foi crescendo. Trata-se, tão simplesmente, de mostrar o valor das pessoas e tenho recebido um feedback muito bom, porque as pessoas olham para mim, e o que é mais visível é a minha condição física, e pensam “se ele conseguiu, porque é que eu não hei-de conseguir?”. Acordamos de manhã e já estamos a dizer que não a coisas tão simples. Quando penso não é em mim, é na minha mãe que, com 16 anos, a primeira coisa que disse quando me viu foi que podia ser pior. Nada pode ser pior que destruir os sonhos de uma mãe. O facto de ela ter dito que podia ser pior, faz-me ultrapassar tudo. Era uma criança e teve aquela mentalidade de agarrar naquele obstáculo, que parecia impossível e que era eu, e torná-lo um vencedor, porque foi ela que fez. É isso que eu tento mostrar às pessoas, que nós é que damos uma dimensão exagerada aos nossos problemas. Optamos por não os resolver, por sofrer com eles e não sofrer para os resolver. Costumo que dizer que temos de olhar para os obstáculos e para os problemas de frente e depois contorná-los.
Se desistirmos à primeira vez que falhamos, por muito bom patrão que tenhamos, por muito boas que sejam as equipas que trabalham ao nosso lado, não conseguimos evoluir
Também se desloca a escolas. Como é que os alunos recebem a sua mensagem?
É recebida de uma forma tão gira, pelas diferentes faixas etárias, desde os alunos do 4.º ano ao 12.º. Tenho sempre receio quando vou às escolas, mas é um receio infundado, porque sou sempre muito bem recebido e percebo na atitude deles. A minha palestra não é de levar às lágrimas. É uma palestra bem disposta. Uma vez deram-me um elogio muito giro. Disseram-me que assistir a uma palestra minha é como olhar para um eletrocardiógrafo. Ora nos leva lá para cima, ora nos traz para baixo. Nos miúdos isso acontece muito e identificam-se comigo. Abano-lhes as mentes e percebo que deixam. Antigamente as pessoas olhavam para mim na rua e eu abordava-as. Perguntava-lhes se queriam perceber o que me tinha acontecido. Quando lhes explicava, a diferença deixava de ser vista como diferença negativa e má e passava a ser apenas uma diferença. É isso que acontece nas escolas. Quando conto a minha história, veem que sou só diferente, não sou inferior. Acredito que a mensagem, depois, passe para as pessoas que lá estudam com dificuldades. Há duas mensagens importantes que gosto de transmitir. Uma é acreditarmos em nós próprios. É fulcral, porque se eu não acreditasse em mim, por muito apoio que tivesse da minha família, não tinha conseguido. As pessoas, às vezes, acomodam-se. A outra é que a sorte tem de se procurar. Também tinha receio. Fui a primeira pessoa com deficiências a fazer novelas em Portugal. Não sei se no mundo houve alguém com amputações tão grandes como eu a fazer alguma. Arrisquei, tive de vir para Lisboa para ouvir um sim ou um não. Temos de acreditar em nós e mostrar às pessoas que a diferença está na nossa cabeça.
Considera que as pessoas com deficiência têm, ainda, de viver com muitas limitações?
Já foi muito feito e não gosto de me queixar. Evoluiu-se muito, mas falta, sobretudo, mudar as mentalidades, porque, para mim, a maior barreira arquitetónica é a mente. Se eu não conseguir subir um degrau, peço ajuda e isso é sinal de caráter, não é de fraqueza. Mas não posso obrigar a que me aceitem. A minha deficiência é apenas um pormenor. Não gosto muito de a destacar. Eu sou assim, é uma característica. Gostava, e vai ser a minha luta de vida, que as minorias deixassem de ser vistas como minorias. Quando passarem a ser vistas como parte integrante, e não como minorias, deixa de haver preconceito ou limitações. Peço muito, nas minhas palestras, para não julgarem o próximo e para lhe darem oportunidade de mostrar o próprio valor.
O primeiro passo é aceitarmo-nos como somos e percebermos que o nosso pior inimigo somos nós. Se o fizermos, seremos mais felizes profissional e pessoalmente
Que planos tem para o futuro?
Quero ser feliz. Não ambiciono muito. Aprendi a não ambicionar muito para não me desiludir. Se for sempre feliz, seja a fazer o que for, para mim está bom. A nível profissional, gostava muito de continuar a fazer isto. Se me chamassem para fazer uma novela agora, não ia. Estou ativo neste mercado e era pouco profissional da minha parte estar a desmarcar os compromissos que tenho para ter dez meses de gravações e estar mais dois anos sem trabalho, que é o que acontece. Aprendi a não me iludir. Se conseguisse conciliar, claro que ia fazer uma novela, mas não me posso iludir. Se falharmos dez vezes, não falhamos da mesma forma. Vamos sempre evoluindo. Agora não me entusiasmava tanto, porque sabia o que é que aconteceria depois. Vejo-me a fazer isto durante muito tempo. Tenho um objetivo enorme que é arranjar um apoio e conseguir ir a todas as escolas do país e às instituições carenciadas, porque acho que a mensagem precisa de ser apanhada cá em baixo. Os miúdos precisam de ter uma noção diferente da realidade. Nem tudo é um mar de rosas. Outro objetivo é levar as palestras da superação aos portugueses espalhados pelo mundo. Mas acho que ainda tenho muito por explorar e para dar em Portugal. A nível pessoal, o meu principal objetivo é ser independente em cima das minhas próteses. Se este plano falhar e conseguir estar em cima das minhas próteses, vou à procura de um plano B.
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